18
01
2016

Drenagem do Liquido Cefalorraquidiano - Artigo de Revisão

Sistema Glinfático

por: Dr. Marcio Valsechi Junior D.O.

Alexander Monro, no século XVII, descreveu o crânio como uma caixa rígida preenchida por estruturas como o cérebro, o sangue e o líquido cefalorraquideo (LCR). Estes três componentes devem coexistir em estado de equilíbrio dinâmico, em que a alteração no volume em um destes exige uma mudança mútua nos outros dois componentes. Qualquer aumento no volume total do conteúdo craniano deve resultar no aumento da pressão intracraniana.

Aproximadamente 150 ml de LCR circulam ao redor do sistema nervoso central, sendo que a produção total diária do mesmo é de aproximadamente 500 ml.

Pelo modelo tradicional, o mesmo é formado e secretado primariamente pelos plexos coroides dos ventrículos cerebrais, especialmente pelos ventrículos laterais. Anatomicamente, os plexos coroides estão em contato direto com o liquido cefalorraquideo dos ventrículos laterais, terceiro e quarto. Este tecido é bem perfundido por numerosas vilosidades, cada um possuindo um capilar central com endotélio fenestrado.

O LCR secretado pelos ventrículos laterais flui através do forame interventricular de Monro até o terceiro ventrículo, localizado entre as metades esquerda e direita do tálamo. O fluxo continua através do aqueduto cerebral de Sylvius, no quarto ventrículo, na área do tronco cerebral. O quarto ventrículo se estreita formando um canal central da medula espinhal. A maior parte do LCR escapa através do forame de Magendie e por duas aberturas laterais de Luschka, no espaço subaracnoideo. No espaço subaracnoideo este líquido se comunica com as cisternas na base do cérebro e se infiltra através das trabéculas aracnoideas, difundindo superiormente ao redor do cérebro e inferiormente ao redor da medula espinhal.

No século XVII, Pacchioni descreveu extrusões da membrana aracnóidea craniana que se projetavam aos seios venosos da duramater, sendo chamadas de vilosidades aracnóideas.

Em 1914, Weed mostrou um papel crucial em seus experimentos, onde as vilosidades aracnóideas eram a principal fonte de reabsorção do LCR [4]. Esta hipótese se tornou firmemente estabelecida e a maioria dos pesquisadores ainda acreditam que a reabsorção do LCR é um processo passivo, localizado principalmente nas vilosidades aracnóideas. No entanto, descobriu-se que essa reabsorção acontece em outros locais, principalmente através do sistema linfático.

 

Figura 1: Espaço Subaracnóideo, Seio Venoso e Vilosidades Aracnóideas.

 

Existem algumas hipóteses para essa controversa. Primeiro, que os seios venosos não estão formados em ratos até 20 dias depois do nascimento. Secundariamente, acredita-se que as vilosidades aracnóideas parecem não existir em ovelhas, bem como em humanos, antes do parto. Elas começam a se desenvolver após o parto e aumentam em número com a idade. Além disso, é imperativo que exista um mecanismo de limpeza do LCR durante a gestação. Para isso, vasos linfáticos extracranianos desempenham um papel importante no transporte do LCR antes do nascimento e pode representar um caminho melhor para a drenagem do LCR no recém-nascido.

 

     Teorias Atuais

 

Os progressos recentes em neuroanatomia, biologia celular e molecular, e de neuroimagem desafiam o modelo tradicional. Os pilares do modelo clássico, ou seja, a produção de LCR no plexo coroide e a reabsorção através das vilosidades aracnóides estão sendo questionados.

Pesquisas recentes vêm demonstrando que além da produção do LCR nos plexos coroides ventriculares, quantidades menores também são produzidas em outros locais como no epêndima ventricular, nas membranas aracnóideas e nos espaços perivasculares. A produção dessa secreção acontece através da filtração passiva de plasma que vasculariza os plexos coroides, facilitada pela pressão hidrostática.

Em contraste ao modelo tradicional de um sistema pressostático fechado, as teorias atuais assumem que uma quantidade significativa de LCR adentra aos espaços perivasculares cerebrais e se misturam ao liquido intersticial nos espaços de Virchow-Robin (EVR).  Estudos com microscopia eletrônica, sugerem que os EVR originam-se de invaginações do espaço subpial, formando uma bainha de revestimento que contém as artérias separando o espaço subaracnóide do subpial.

Em uma série de experiências, marcadores fluorescentes de diferentes pesos moleculares foram injetados na cisterna magna de ratos. Aplicando microscopia de varredura a laser de dois fótons, a distribuição dos marcadores pode ser observada abaixo da superfície cortical. As experiências mostraram um rápido aumento da fluorescência dentro do EVR, em torno das arteríolas. O marcador fluorescente foi subsequentemente encontrado no interstício do cérebro e depois ao redor das vênulas. Considerando estes trabalhos de fluorescência, os autores deduziram a existência de um fluxo dirigido de LCR a partir do espaço subaracnóide ao longo das artérias e arteríolas no EVR, seguindo para o interstício do cérebro, e, finalmente, a partir do cérebro para os EVR ao redor dos vasos venosos. Esse fluxo de fluidos foi denominado como “Sistema Glinfático”, por se assemelhar ao sistema linfático corporal.

Quando o fluido intersticial passa dos espaços periarteriais em direção aos espaços perivenosos, ele realiza um sistema de limpeza de resíduos metabólicos, que em grandes quantidades podem gerar sérios riscos à saúde do individuo.

Um desses resíduos metabólicos é a proteína chamada beta-amiloide. A mesma, em quantidades muito pequenas, é necessária para manter os neurônios funcionais. O problema é que em algumas patologias degenerativas sua produção aumenta muito, formando placas senis e levando a alterações nas sinapses, sendo este, o primeiro passo para uma série de eventos que levam à perda estrutural de neurônios. Outra proteína que é muito comum em patologias degenerativas é a proteína tau, que formam emaranhados neurofibrilares dentro dos neurônios. Uma das patologias degenerativas que encontramos tais proteínas é a doença de Alzheimer.

Pesquisas americanas recentes, feitas pela Universidade de Rochester, comprovaram que esse fluxo acontece de forma cíclica, como forma de limpeza desses resíduos. Entretanto, o dado mais interessante descoberto por estes autores é que durante o sono os espaços entre as células gliais aumentam em cerca de 60%, fazendo com que o fluxo do sistema glinfático aumente, e por consequência aumente a drenagem destas proteínas.

 

Figura 2: Sistema de Drenagem do Liquido Intersticial

 

Os pacientes com doenças degenerativas cerebrais em desenvolvimento tem uma alteração significativa do sono, deixando-os vulneráveis a altos níveis de estresse e ansiedade, e possivelmente, tornando a limpeza destas proteínas deficitária.

Dessa forma, através das técnicas osteopáticas cranianas intervimos diretamente na busca do reequilíbrio do sistema nervoso autônomo, possibilitando que os pacientes tenham os níveis de estresse e ansiedade reestabelecidos, proporcionando portanto, melhora da qualidade do sono e na qualidade de vida.

Creio que em pesquisas futuras poderemos comprovar que através destas ferramentas osteopáticas, poderemos auxiliar na limpeza destes resíduos, evitando processos avançados de doenças degenerativas cerebrais, confirmando científicamente, os resultados clínicos observados em nossos consultórios diariamente.

 

 


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